Commodore 64

1983 — O ano em que fizemos contato

Em 1985, eu e meu irmão fomos morar com o meu pai no Rio, em plena época da reserva de mercado. Pra quem não lembra, ou não viveu isso, a reserva de mercado era uma política que restringia a importação de computadores e peças no Brasil. O resultado foi o surgimento de uma geração inteira de clones nacionais: TK85, MSX, CP-500… máquinas que imitavam arquiteturas estrangeiras e rodavam softwares copiados, adaptados ou simplesmente idênticos aos originais.

Apesar das restrições, meu pai conseguiu comprar um Commodore 64: um dos computadores pessoais mais bem-sucedidos da época. O dele era original, contrabandeado por algum conhecido, e tinha, além da CPU, um drive de disquete. Quase ninguém tinha isso. A maioria ainda usava fita cassete para gravar programas, e quem já lidou com isso sabe o que era o sofrimento de rebobinar uma fita inteira pra chegar na posição certa. O disquete, além de ser digital, permitia acesso direto a qualquer arquivo em segundos.

Foi amor à primeira vista. Eu e meu irmão passávamos horas mexendo no computador, tentando entender como tudo aquilo funcionava. Compramos alguns livrinhos sobre a linguagem [BASIC] (https://pt.wikipedia.org/wiki/BASIC), que era a linguagem padrão do Commodore, e começamos a escrever nossos primeiros programas. O primeiro, claro, foi o clássico “loop do nome na tela”:

10 PRINT "LUCAS"
20 GOTO 10

Simples, mas mágico. Ver o próprio nome aparecer repetidamente na tela era como assistir o computador “falar” conosco pela primeira vez.

O Commodore foi o primeiro computador que tivemos em casa — e o BASIC, nossa primeira linguagem de programação. Passamos tardes e feriados inteiros lendo, testando, errando e tentando entender o que cada comando fazia. Foi ali que nasceu, sem que a gente percebesse, o gosto pela programação e pela computação.

Mas nem só de BASIC vivia o nosso Commodore. Ele tinha um ecossistema próprio, com muitos jogos e programas, embora no Brasil fosse difícil conseguir qualquer coisa nova. Como não existiam clones nacionais, também não havia circulação de software compatível. Descobrimos, então, algumas poucas bancas que vendiam revistas importadas dedicadas ao Commodore 64. Essas revistas eram verdadeiros tesouros: além de matérias e dicas, traziam páginas e páginas de código impresso, programas inteiros escritos em linguagem de máquina, listados linha a linha.

O computador, claro, não lia revista. Então o que a gente fazia? Digitava tudo. Passávamos dias inteiros transcrevendo aqueles códigos, um ditando e o outro digitando. Depois de horas de trabalho, nem sempre o resultado compensava: às vezes o programa era ruim, ou simplesmente não funcionava. Mas a sensação de ver algo rodando depois de tanto esforço era indescritível. E, por via das dúvidas, gravávamos tudo num disquete, ninguém queria digitar aquilo de novo.

Ficamos tão obcecados pelo Commodore que meu pai acabou desistindo do computador e disse: “Levem com vocês, vocês usam mais do que eu”. Quando voltamos a morar com a minha mãe, o computador foi junto. Ele não tinha monitor próprio, então ligávamos na televisão da sala e passávamos horas programando, jogando ou apenas explorando o desconhecido. Com o tempo, o velho Commodore começou a apresentar defeitos. Consertar era caro e complicado. Encontramos uma lojinha que conseguia fazer a manutenção, mas a cada seis meses o bichinho voltava pra lá. Até que um dia entendemos: estava chegando ao fim da vida útil do nosso primeiro computador.

Foi aí que a gente começou a pensar: e agora? Qual será nosso próximo computador?