Operador de Grampeador Sênior

1983 — O ano em que fizemos contato

O meu curso de segundo grau foi técnico em eletrônica. No currículo não havia muita coisa de computação, o mais próximo era eletrônica digital, e mesmo assim se resumia a projetar e montar circuitos lógicos com portas AND, OR, XOR e afins. Quando terminei o curso, o estágio era obrigatório, então eu e meus colegas começamos a procurar vagas. A gente fazia provas em várias empresas e depois ficava só esperando o resultado. O estágio mais disputado, não só na minha escola mas em toda a cidade, era o da IBM, na área de manutenção de computadores. E na época, manutenção significava lidar com mainframes.

Passei na prova e, aos 17 anos, lá fui eu de gravata e crachá começar como técnico de manutenção. Aprendi muito sobre hardware, e era fascinante sair do mundo dos PCs para o mundo dos mainframes. Ao mesmo tempo, era como fazer uma viagem no tempo: muitos dos equipamentos ainda em uso eram das décadas de 70 ou até de 60, verdadeiras relíquias. Vi de perto leitores de fita de rolo (iguais aos dos filmes, com rolos girando e luzes piscando), impressoras que usavam óleo, e fontes de alimentação que mais pareciam geradores. Alguns sistemas até exigiam refrigeração a água, algo inimaginável pra mim naquele momento. Alguns modelos ainda usavam tecnologias pré-circuito integrado (memórias de núcleo de ferrite, circuitos com transistores, resistores e outros componentes analógicos…).

Além do aprendizado técnico, havia algo ainda mais impressionante: a rede interna da IBM. Era uma rede mundial própria, conectando escritórios e mainframes de todos os países onde a empresa operava. Não era a internet, mas funcionava como uma versão corporativa dela, e isso, no início dos anos 90, era coisa de ficção científica. Foi meu primeiro contato com uma rede global de computadores. A gente podia enviar “notas” (o que hoje chamaríamos de e-mails) e até participar de fóruns de discussão internos. É claro que, numa empresa de tecnologia, esses fóruns eram cheios de conversas sobre sistemas, linguagens e antivírus. E foi aí que o meu interesse por vírus de computador, que já vinha de antes, encontrou terreno fértil.

Aos poucos, comecei a ler e participar das discussões com especialistas de várias partes do mundo. Descobri que a IBM tinha pesquisadores em Yorktown Heights, Nova York, dedicados exclusivamente ao estudo de vírus. Eles trocavam ideias e publicavam análises, e eu estava ali, um estagiário brasileiro de 17 anos, acompanhando tudo. Às vezes até fazia perguntas, pedia dicas sobre antivírus ou detalhes técnicos. Confesso que passei mais tempo explorando a rede interna do que o meu chefe provavelmente gostaria. Naquela época, a análise de vírus ainda era manual, feita um a um, um trabalho quase artesanal. Graças a essa conexão, tive acesso a ferramentas experimentais vindas direto dos laboratórios da IBM, e também fácil acesso às atualizações de antivírus. Foi um aprendizado que ampliou meus horizontes.

Com o tempo, meu chefe percebeu que meu interesse estava mais em redes e software do que em manutenção propriamente dita. E aí veio uma nova oportunidade. Fora da área de manutenção existia o setor de planejamento de centro de processamento de dados (CPD), e o responsável estava atolado de trabalho. Me colocaram pra ajudar. Uma das tarefas era fazer o design físico do CPD: recortar os modelos dos equipamentos, enormes armários de metal, e encontrar uma disposição que coubesse na planta. Parecia um trabalho de arquiteto.

Mas a outra parte foi ainda mais empolgante. Naquele período, a IBM começava a implantar no Brasil uma nova tecnologia de rede chamada Token Ring. O meu novo chefe era o responsável por estudar a tecnologia e criar os primeiros projetos em Belo Horizonte, e acabou me dando acesso ao mesmo curso online que ele fazia. Aprendi bastante sobre como as redes Token Ring funcionavam e como se comparavam a outras tecnologias, como a Ethernet, que mais tarde se tornaria dominante. Foi uma oportunidade e tanto pra entender redes de computadores: como se comunicam, como distribuem dados e como podem ser planejadas. Ainda acho que o Token Ring era uma tecnologia brilhante, que só não vingou porque a IBM manteve o monopólio dos equipamentos, o que a tornou cara e pouco acessível.

Nessa mesma época começaram a chegar ao Brasil os primeiros computadores RISC da IBM. A gente não teve muito contato com eles, mas o simples fato de vê-los em funcionamento já despertava curiosidade. Anos depois eu voltaria a estudar essa tecnologia com outro olhar, mas ali foi o primeiro vislumbre de um novo capítulo da computação.

Ah, e sobre o título deste capítulo: era uma piada interna entre os técnicos. Diziam que as funções dos estagiários eram coisas como “Operador de Grampeador Sênior”, “Especialista em Xerox em Treinamento” e outros cargos igualmente gloriosos. A gente ria, pegava a maleta de ferramentas e lá ia, junto com os técnicos, resolver o problema de mais um cliente com o computador parado.