Primeiro PC

Depois do Apple, ou melhor, do TK 3000, a gente entrou de vez no universo do PC (formalmente o IBM PC). Nessa época, o PC já dominava o mercado não só nas empresas, mas também nas casas. Quem tinha computador, em geral, tinha um PC. O nosso era uma instalação completa com a novíssima CPU Intel 286, monitor VGA colorido (última novidade na época), impressora e tudo mais. Começava a parecer algo mais sério, quase profissional. E havia uma grande vantagem nessa nova fase: a padronização: como todo mundo estava migrando dos MSX e TKs para o PC, ficava muito mais fácil trocar dados, programas e participar da rede informal de trocas (ou melhor, da pirataria) que dominava o Brasil naquele período.
Eu ainda era adolescente. Copiar programas era o que todo mundo fazia sem pensar, então a gente fazia também. Trocar um disquete com um programa novo ou um joguinho era tão comum quanto cortar um pedacinho da capa de um disquete para transformá-lo de face simples em dupla face. Com isso, a gente acabou tendo acesso a uma infinidade de softwares.
O nosso PC rodava o sistema operacional DOS. Experimentamos tanto o MS-DOS da Microsoft quanto o PC-DOS da IBM, e a história por trás disso é interessante. Quando a IBM projetou o PC e encomendou o DOS para a Microsoft, deixou que a empresa também vendesse sua própria versão do sistema. As diferenças entre os dois eram mínimas: do ponto de vista do usuário, praticamente idênticos. A gente aprendeu muito brincando na linha de comando, copiando arquivos e explorando o sistema. O DOS era necessário para rodar o Windows, que na época era apenas uma interface gráfica adicionada ao sistema. Ainda levaria alguns anos até o Windows se tornar um sistema operacional completo, que não dependesse de inicializar primeiro pelo DOS.
Com o PC, descobrimos também o Turbo Pascal, a IDE mais popular da época para a linguagem Pascal. Foi com ela que começamos a programar de forma mais estruturada e moderna do que no BASIC. Pascal era amplamente usado nas universidades, e muitos cursos de introdução à programação giravam em torno dessa linguagem. Inclusive o meu, um pouco depois.
Como o PC se tornou o padrão, o troca-troca de disquetes virou rotina. Mandava-se um programa aqui, copiava-se um joguinho ali… e foi assim que a gente conheceu os primeiros vírus de computador. Era uma novidade quase folclórica: cada vírus tinha um nome, e todos sabiam de quais estávamos falando. Lembro do Cascade, que fazia as letras caírem na tela até se acumularem no rodapé, e de outros com nomes criativos, às vezes assustadores.
Logo depois, vieram os antivírus. A gente começou a usar programas como McAfee, F-Prot e Norton Antivirus, ainda num tempo em que a internet em casa era exceção, e as atualizações eram repassadas de disquete em disquete. Nem todo mundo tinha antivírus, então nos tornamos referência entre colegas e família, e fomos coletando amostras. Nós mantínhamos uma coleção modesta: três ou quatro vírus, todos conhecidos, guardados mais por curiosidade do que por utilidade.
Acho que foi aí que começou minha jornada na segurança da informação: com os vírus. Foi a primeira vez que percebi a necessidade de proteger um sistema. Claro que era uma motivação meio egocêntrica: eu queria proteger o meu computador e o dos meus amigos, mas a semente estava plantada.
Com o PC e o alto nível de pirataria que existia, uma das coisas mais importantes para nós era ter programas que permitissem copiar disquetes setor a setor. Eram ferramentas parecidas com as que tínhamos no Apple, mas agora as proteções eram mais sofisticadas, e os copiadores precisavam acompanhar essa evolução. Alguns deles vinham com editores de setores embutidos, que permitiam ler e interpretar o conteúdo de um disquete em formato hexadecimal. Já tínhamos uma ideia do que eram setores e blocos, mas foi ali que descobrimos a tabela ASCII, que traduz os dados binários em letras legíveis.
Esses editores se a porta de entrada para uma espécie de “engenharia reversa”. A gente começou a explorar o conteúdo dos disquetes de alguns jogos e entender como as informações eram armazenadas. Era uma investigação artesanal, quase uma brincadeira de detetive digital. Num jogo de RPG, por exemplo, encontramos setores onde apareciam palavras conhecidas, como Gold, seguidas por números em hexadecimal. Jogávamos um pouco, observávamos as mudanças e logo percebíamos que podíamos editar o valor para multiplicar a quantidade de moedas. Era como criar nossos próprios cheat codes: dava pra impressionar a galera.
Em outro jogo, de corrida, conseguimos modificar as propriedades dos carros. Cada veículo tinha parâmetros de aceleração, peso e estabilidade. Misturamos as características da caminhonete (super estável) com as da Lamborghini (super rápida), e criamos um verdadeiro Frankenstein: rápido, leve e fácil de dirigir. Bater recordes nunca foi tão fácil.
Enquanto tudo isso acontecia, eu concluía o segundo grau técnico em eletrônica e comecei a procurar estágio. Fui bem nas provas e acabei conseguindo o estágio mais concorrido da época: técnico de manutenção de computadores na IBM. Mas essa parte da história fica para o próximo capítulo.